Sem Mim, nada podeis fazer. (Jo 15,5)

Sem Mim, nada podeis fazer. (Jo 15,5)


Nada te pertube, nada de espante. Tudo passa. Deus não muda. A paciência tudo alçança. Quem a Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta!
Santa Tereza de Ávila

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

APLAINAR OS CAMINHOS - por Vanderlei Soela

A vida é feita de altos e baixos. De vez em quando, andamos por estradas tranquilas, onde as coisas fluem, dão certo, se encaixam quase que perfeitamente. Tudo anda bem. De vez em quando também experimentamos o outro lado: obstáculos grandes e pequenos, contratempos, decepções, perdas, sofrimentos. Nem tudo anda tão bem e tranquilo como antes. Parece que tem horas em que os altos e baixos são mais frequentes e não é fácil manter a inteireza, a paz interior e o brilho no olhar. Somos submetidos a testes frequentes que sacodem as convicções. Recordo-me que, nos tempos da infância e adolescência, ao chegar ao final do ano, organizávamos uma pequena reforma da casa. Era hora de arrumar as caixas, os armários, desfazer de algumas coisas, pintar as paredes, etc. E, quando tudo estava arrumado, aí se fazia a árvore de natal. Tudo era muito simbólico, pois era preciso preparar o ambiente, interno e externo. A liturgia católica, como preparação para o Natal, celebra o tempo do Advento. O advento é um momento especial quando as pessoas se deixam (ou deveriam!) envolver por um espírito de confrontação das experiências da vida com as propostas das mensagens bíblicas. Por exemplo, fala-se em novos tempos, novas relações, novos modos de convivência, novas atitudes. Uma lembrança sobre o sentido da vida e da existência. Tais mensagens oferecem alguns bons e saudáveis filtros para checar a vida no seu emaranhado complexo. Um dos convites extraordinários e que nos colocam em estado de alerta é “preparai, aplainai os caminhos do Senhor”. A vinda do Messias, o Salvador é tão significativa, que é preciso preparar sua passagem, endireitar as estradas, aplainar os caminhos, organizar o ambiente. Uma provocação para organizar a vida em suas diversas dimensões, que começa no coração de cada ser humano e aparece em atitudes e gestos. Olhando ao nosso redor, há muita coisa a preparar e a cuidar… Necessário se faz aplainar os caminhos da nossa convivência. Tem sido cada vez mais desafiador o exercício do estar juntos. O egoísmo tem prevalecido e deixado as relações mais complicadas. A dimensão da alteridade (= levar o outro em conta, em consideração) se dilui em meio a tantas demonstrações de desprezo, do jeitinho pervertido de levar vantagem em todo e sobre todos, na insensibilidade no trato com o mundo do outro, apenas para citar alguns. Com frequência vemos pessoas desrespeitando os demais, para garantir sua parte, seu ganho, sua vantagem. Os exemplos são muitos: gente estacionando nas vagas reservadas às pessoas com deficiência, motoristas ultrapassando pelo acostamento ou na contramão, pessoas furando fila, idosos sendo maltratados e desprezados, crianças violentadas, alunos brigando dentro da sala de aula, pessoas matando por qualquer motivo… Aplainar os caminhos significa levar o outro em conta, respeitar seu espaço, imaginar-se em seu lugar, tornar leve seu peso, acolher o diferente. Urge aplainar os caminhos da política, especialmente em nosso país, contaminada por interesses desviantes, pela corrupção, inversão de valores e descaso. Enquanto isso, milhões de pessoas pagam o preço da irresponsabilidade de homens e mulheres inescrupulosos, sofrendo com falta de recursos na saúde, na segurança, na educação, que garantiriam o bem-estar. Aplainar os caminhos é promover a justiça, punir o erro, escolher melhor os representantes, assumir a responsabilidade pela polis (a cidade), onde a vida acontece, acompanhando, se mobilizando por causas que valham a pena. É fundamental aplainar os caminhos do cuidado com o planeta. Dia após dia surgem novos desafios para manter as condições de vida no presente e viabilizá-la no futuro. O cuidado começa no plano individual e se enraíza no coletivo. Aplainar o caminho é desenvolver um espírito de reverência e respeito com todas as criaturas. Por fim, é imprescindível cuidar de si mesmo. Ninguém dá aquilo que não tem. O mundo externo é reflexo do mundo que desenvolvemos internamente. Só cuida bem dos demais quem nutre um cuidado de si, a partir do conhecimento e reconhecimento de limites e dons, pecado e graça, luzes e trevas próprios do ser humano. Toda mudança do entorno – planeta, política, relações, religião – nasce primeiro dentro da alma. Como dizia Rubem Alves, “ninguém planta jardins por fora se não possui jardins por dentro”. Aplainar os caminhos, nesse caso, é cultivar a inteireza, a espiritualidade que alimenta os sonhos e dá sentido à vida, num permanente exercício de humildade. Neste tempo de Natal, de pequenas e grandes esperanças renovadas, vale o esforço de abrir-se à comunhão consigo, com os demais, com o universo e, nisso tudo, contemplar os sinais de Deus, que se deixa encontrar na mistura de finito e infinito. Aplainar os caminhos, portanto, é todo esforço de cultivo de leveza, ternura, simplicidade, delicadeza no trato, profundidade nas experiências e de cuidado com tudo e com todos. Ao aplainar os caminhos para a manifestação de Deus em nosso coração, tornamos belo e agradável os caminhos que nós mesmos trilhamos…
Para refletir:
§  O que preciso “aplainar” na minha vida atualmente? (algum mal-entendido, uma dívida, um agradecimento, um gesto de perdão, um reconhecimento, etc.).
§  O que posso fazer para tornar a vida mais interessante para os que vivem comigo ou ao meu redor?


Vanderlei Soela







FONTE: www.essentia.org.br


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